Os “Sentimentos da
alma” da Beata Alexandrina contêm muitas maravilhas de teologia mística.
Aqueles de 1947, a
mais de serem duma grande riqueza obedecem ― não sabemos explicar por que
razão ― a um método particular: cada “diário” começa por uma introdução,
mais ou
menos longa, onde a Alexandrina nos dá conta de tudo quanto nesse momento se
passa na sua alma: explica-nos os “Sentimentos da sua alma”. Vem depois o
colóquio propriamente dito, com as intervenções de Jesus ou de Maria, e algumas
vezes ― no primeiro sábado de cada mês, em regra geral ― a intervenção dos Dois.
Neste período a
Alexandrina está investida duma missão especial: acolher em seu coração e na sua
alma a humanidade inteira. Jesus tinha, desde já algum tempo, fechado no coração
da sua querida esposa de Balasar a humanidade pecadora que continuava a ofender
alegremente a Deus, pouco se importando nem dos divinos apelos à conversão e
ainda menos de tudo quanto a Igreja de Pedro proponha para a conversão e bem das
almas.
Esta missão tinha
sido selada no decorrer duma cerimónia particular, estando presentes Jesus e
Maria. Foi Nossa Senhora que, num gesto materno cheio de ternura e amor, colocou
Ela mesma, no coração da Alexandrina, a humanidade inteira.
Eis a razão porque
depois a Alexandrina se sentia “investida” desta e por esta humanidade pecadora,
da qual ela devia, regularmente prestar contas ao Senhor sobre o estado em que
se encontrava então esta mesma humanidade. Este “prestar contas” era uma causa
de grandes sofrimentos para ela, sobretudo que de maneira nenhuma a humanidade
parecia querer arrepiar caminho.
O começo dos
“Sentimentos” do dia 13 de Junho de 1947 ― festa do Sagrado Coração de
Jesus ― são disso um exemplo concreto e elucidam perfeitamente o que acabamos de
afirmar:
« A minha vida é
morte; continuo a viver a vida dos mortos. Que imensa sepultura, em que podridão
estou sepultada; causa-me nojo, causa-me horror. Sinto-me a ser comida pelos
bichos escondidos nesta podridão; sinto-os a mexer e remexer nesta imundice. E
não tenho outra vida a não ser esta, nem outra luz a não serem as trevas do meu
espírito. Triste cegueira que não me deixa ver senão horrores nojentos,
apodrecidos ».
A humanidade,
mergulhada nos vícios e na corrupção, morre, vivendo esta vida de desordem e de
desobediência aos preceitos divinos. Ela mergulhou ela própria numa sepultura
imensa, cheia das imundices do pecado. É esta humanidade que vive na morte que a
Alexandrina guarda em seu coração de vítima, mesmo se isso lhe “causa nojo e
horror”, como ela o afirma. Sentindo em si aquela humanidade pecadora, ela
sente-se “comida” por aqueles bichos, roedores de corpos e de carne pútrida,
mas, para salvar a humanidade, ela “não tem outra vida a não ser esta”.
Com a humanidade ela marcha na obscuridade, não tendo “outra luz a não serem
as trevas do seu espírito”.
A humanidade, a
pobre humanidade, parece bem incrustada nela, como se imensos tentáculos lhe
permitissem de se ancorar fortemente. Que fazer então?
A Alexandrina
tinha-se oferecido generosamente como vítima para a salvação das almas; ela
nunca tinha recusado o mínimo sacrifício ao Senhor, nada mais pedindo do que a
Sua ajuda para suplantar a fraqueza própria. Nessa ocasião, como desde há muito,
Jesus tinha-lhe dado como lema, como programa de vida: “Amar, sofrer,
reparar!”
Tomando a peito a
sua missão e não tendo que um único e só desejo: amar e pôr em prática a Vontade
divina, ela tudo faz no intuito de levar a cabo a sua missão tão delicada quanto
difícil. Mas, quando se ama não se fazem contas, eis porque razão, na sua
simplicidade habitual ela afirma na mesma página dos “Sentimentos da alma”:
« E eu tanto a
amo, abracei-a tanto e sinto não poder estar neste mundo sem ela. Quanto mais me
orgulho, mais me quero mergulhar. Quantas mais trevas, mais trevas anseio ».
Não, não se trata
aqui de masoquismo: aqui tudo é amor, nada mais do que amor, como também o
afirma ela logo a seguir:
« Ó amor do meu
Jesus, não vivo, não conheço, não vejo; as coisas do Senhor não mas mostram a
minha cegueira, as minhas trevas. Não posso pensar que não amo a Jesus e tanto
anseio amá-Lo e fazê-Lo amado pelas criaturas. Quero subir para Ele e caio ».
Esta impressão de
cair, de nada poder conseguir, nada mais é do que uma impressão que a
Alexandrina atribui à sua ignorância, possivelmente também à sua falta de
cultura, mas que é antes de mais uma imensa prova da sua extraordinária
humildade. Para nos convencermos, baste lermos o que ela escreveu a seguir:
« Não me revisto
Dele nem das Suas coisas; nada compreendo do que é do Céu. Que pobre e ignorante
que eu sou! É por isso que eu sofro e quase me chego a persuadir que a minha
vida, de tudo o que diz respeito às coisas do Senhor é uma ilusão minha; não
digo intrujice porque não quero enganar ninguém. Como pode Jesus descer do mais
alto ao mais baixo? Bendito Ele seja ».
Esta “incorporação”
da humanidade trás com ela outros problemas espirituais ainda mais delicados e
difíceis: a intervenção de Satanás.
Bem sabemos que o
anjo das trevas é o maior adversário do Senhor e que toda e qualquer obra
tendendo ao bem das almas é para ele causa de tormentos e de muitas derrotas
anunciadas. Desde logo ele se enerva, desencadeia cercos e enérgicos
assaltos ― estes numerosíssimos! ― para contrariar os planos divinos e se
possível derrubá-los. Para conseguir obter os resultados desejados, para ele
todos os meios são bons. Escutemos o que diz a Alexandrina:
« O demónio tem
lutado para me levar a praticar tantos males; só com a graça de Jesus poderei
resistir. Sinto-me como se fosse por ele arrastada para a maldade, para os
vícios. Parece-me que estou revestida dele e de tudo o que a ele pertence. Não
tive os combates apesar de os esperar, porque a grande tormenta que ele me
causava me levava a crer que ele viesse. Mas nem por isso deixei de sofrer, ao
sentir-me por ele arrastada, seduzida para tantas coisas fracas e parece-me que
estou dele revestida e mergulhada em todos os tormentos do inferno ».
« O demónio tem
lutado para me levar a praticar tantos males ».
Satanás gostaria de convencer a Alexandrina de tirar proveito da sua juventude,
de viver de maneira libertina, provando todos os prazeres, mesmo os mais baixos.
Quando as palavras parecem inoperantes, ele utiliza os seus “quadros”
libidinosos e, juntando as imagens às palavras, ele insiste descaradamente. Como
ela resiste, ele enerva-se, uiva e chega mesmo a atirá-la abaixo da cama,
gritando-lhe uma ladainha de palavras obscenas, de cuja maioria a pobre vítima
nem conhece a significação.
Desta vez, no
entanto, o Senhor não permitiu uma tal desenvoltura da parte de Satanás, porque
Alexandrina, parecendo mesmo um pouco admirada, escreve para o seu diário:
« Não tive os
combates apesar de os esperar, porque a grande tormenta que ele me causava me
levava a crer que ele viesse ».
Esta aparente e
passageira acalmia não impede nem o sofrimento nem os estratagemas do espírito
do mal que a arrasta até aos limites do seu sinistro domínio, acabando mesmo por
“mergulhá-la em todos os tormentos do inferno”. Mas Alexandrina resiste,
chama e implora o socorro dos seus Amores (a Santíssima Trindade) e pela
Mãezinha que ela tanto ama. Depois, cansada, exangue, mas vitoriosa, ela
filosofa:
« Se ao menos
com os meus sofrimentos evitasse o pecado! Se com tudo isto, eu amasse a Jesus e
O visse em todos os corações amado! »
Alexandrina, como a
grande Doutora da Igreja, Santa Teresa de Ávila, pode exclamar:
« E, se então o
demónio me tivesse acometido a descoberto, julgo que, de modo algum, eu voltaria
a pecar gravemente ».
A vitória não a
impede todavia de continuar na sua missão inaugural: “amar, sofrer, reparar”.
Vêm-lhe depois à
mente outras recordações dolorosas: a sua estadia no Porto durante quarenta
dias, sob o olhar perspicaz e nem sempre caridoso do Doutor Gomes de Araújo.
Ouçamo-la:
« Tenho vivido,
nestes dias, sem procurar viver, a minha vida de há quatro anos na Foz. Como eu
recordo todos os sofrimentos, gestos e palavras. Está tudo tão gravado em mim e
tão profundamente, que jamais se apagará. Tudo isto por amor do meu Jesus e às
almas; e nem mesmo assim O amo e as salvo ».
Este controle
médico, proposto pelo médico, Doutor Manuel Augusto de Azevedo e desejado pelo
Senhor Arcebispo de Braga, ficará para sempre gravado no pensamento da
Alexandrina, visto que muitos anos depois, ele dele se lembrará de “todos os
sofrimentos, gestos e palavras”, como ela mesmo no-lo conta na sua
Autobiografia.
O estado da sua
alma, a noite do espírito interminável, constituem outras tantas razões que,
nunca a fazendo duvidar da misericórdia divina, a interpelam e dão-lhe ocasião
de se questionar, de falar a Jesus de coração a Coração:
« Meu Jesus, que
pena eu tenho de não Vos pertencer inteiramente ».
Durante o período
em que o Padre Mariano Pinho foi seu director espiritual ― entenda-se: enquanto
foi autorizado a dirigi-la e a visitá-la ― acontecia que este celebrasse a Santa
Missa no quarto da Alexandrina. Mas o bom jesuíta teve de deixá-la, obrigado a
isso pelos seus superiores que, pensando fazer bem, o enviaram para o Brasil, de
maneira a aniquilar, tanto quanto possível, os rumores que circulavam, rumores
alimentados em parte por um dos seus colegas, também jesuíta, pouco caridoso.
Acamada desde os
dezasseis anos, Alexandrina sente saudades da Missa, a necessidade deste
reconforto que lhe falta e, ela o confessa humildemente ao Senhor, numa frase
simples e humilde que se aparenta a uma queixa amorosa:
« Lembro com
profunda dor e vivas saudades o Santo Sacrifício da Missa. Já aos anos que eu a
não tenho no meu quartinho! Não voltarei a ter este mimo do Céu? Estou pronta,
Jesus, para em tudo ser a Vossa vítima ».
Tendo recebido
importantes comunicações divinas, Alexandrina tinha escrito ao Santo Padre. Não
era a primeira vez que ela o fazia... Mas, desta vez, a mais da carta, certas
pessoas tinham viajado para Roma com o fim de interceder junto do Papa, porque o
momento era grave para a Igreja e para o mundo.
Sem verdadeiramente revelar o conteúdo da sua carta nem mesmo a mensagem que a
“delegação” devia testemunhar perante o Sumo Pontífice, ela escreve:
« O meu coração,
o meu espírito voa a Roma; não só acompanhando os que já partiram para lá, mas
também para já estar junto de Sua Santidade para implorar e receber dele aquilo
que não sabe, mas que anseia e sabe que só dele virá. Pobre de mim! Tudo anelo e
nada possuo a não ser miséria ».
De novo “habitada”
pela sua legendária humildade ela conta-nos a sua paixão desse dia.
Não são aqui
necessários quaisquer comentários, porque o seu texto é claro e preciso. Hei-lo:
« Ontem, logo
que caiu a tarde, senti como se me tirassem um vestido mundial, que me tornou o
escândalo de toda a gente, tal era a podridão, de que ele era feito. E assim
vestida vergonhosamente, segui e cheguei ao Horto. Ali, desceu o Céu, a
esmagar-me, e toda a humanidade a rasgarem-me e a arrancarem-me do corpo todos
os nervos e veias. O que ali sofreu Jesus, dentro em meu pobre corpo, que tinha
o Horto, o Calvário, a cruz e a morte! Ao receber o beijo de Judas vi, não o meu
rosto, mas o de Jesus e o dele muito unidos, e fiquei a sentir, por muito tempo,
que aquele beijo, ingratidão e traição se iam repetir, através de todos os
tempos. Oh! Como transbordou o cálice da amargura, enchido de sangue inocente.
Na manhã de hoje
caí desfalecida ao pé da coluna; recebi a chuva de açoites, que sobre mim foi
descarregada, e vi Jesus, dentro em mim, no mesmo sofrimento, de olhos fitos no
Céu, em sinal de oração a Seu Eterno Pai. Fui coroada de agudíssimos espinhos;
tomei a cruz, segui o Calvário; saiu-me ao encontro a Mãezinha. Que dor senti
com o seu pranto e dor! As lágrimas que no Seu rosto corriam, corriam-me no
coração. Em todo o percurso do Calvário não perdi mais a união com Ela. Eu não
arrastava só a cruz, arrastava-A também a Ela, ou melhor, arrastava a Sua dor.
Mais adiante veio a Verónica com todo o sentimento de amor limpar o rosto de
Jesus gravado no seu. Jesus deixou-Lho imprimido como recompensa, ela apertou-o
ao coração como o maior tesouro e na verdade o era. Se eu soubesse amar a Jesus
como a Verónica O amou! Se eu assim O abraçasse para não mais O deixar! Ó meu
Deus, ó meu Jesus, pobre de mim que nada sou e nada sei! Cheguei ao Calvário;
caído ao pé da cruz, antes de nela ser crucificada, nova descarga de pancadas
feriu e despedaçou mais o resto das minhas carnes. No alto da cruz não senti
outra coisa a não ser Jesus com os Seus olhares divinos a ver todo o mundo, toda
a ingratidão e com a vista do corpo fitar o firmamento a orar e a desculpar-nos
a Seu Eterno Pai. Agonizou, expirou e eu com Ele ».
Este dia 13 de
Junho, como já dito, era o dia da festa do Sagrado Coração de Jesus. Nesse dia o
Senhor vai oferecer à Alexandrina um prémio inestimável do qual poucos santos
beneficiaram: a transverberação.
Mas antes disso,
talvez para prepará-la a tão insigne graça, Jesus toma-a e deposita-a no seu
Coração. Mas deixemos que ela mesma nos conte:
« Tão depressa
morri que logo vivi; foi Jesus que me deu a vida, chamou-me e disse-me:
― Vem, Minha
filha, ao Meu amor, ao Meu divino coração é o dia dele; vem gozar do Céu, vem
receber amor. Eu quero-te pura, sem manchas; quero-te digna de Mim. Esforça-te,
corrige-te, de todos os teus defeitos. Dizia-te até agora que precisava das tuas
faltas para Me esconder; agora digo-te: não as quero para mais Eu em ti
aparecer. Quero que tudo o que é Meu em ti transpareça; quero que os teus
olhares tenham a pureza dos Meus; quero que os teus lábios tenham o sorriso, a
doçura dos Meus; quero que o teu coração tenha a ternura, a caridade e o amor do
Meu; em suma: quero que em tudo Me imites, quero-te semelhante a Mim; quero que
todo o teu corpo seja o Corpo de Jesus, um outro Cristo. És a nova redentora.
Quero-te pura, pura com a Minha mesma pureza, quero-te digna de Mim, quero-te
preparada para voares ao Céu. A dor e o Meu divino amor purifica-te; a dor e o
Meu divino amor são de salvação para as almas. Vou ferir-te o coração; vai ser
aberto pelo anjo S. Gabriel, para, depois, por essa abertura, por essa chaga
trespassarem os raios do sol, os raios do Meu amor, para dele passarem ao mundo,
passarem às almas. Antes disso, quero injectar-to de amor, quero preparar-to
para receber o golpe. Em todo este tempo gozarás do Céu, gozarás do Paraíso;
Jesus, no mesmo instante, não sei com quê, regou-me o coração com uma chuva
miudinha doirada; aquela chuva causticou-me e parecia-me tê-lo separado do
corpo ».
A descrição do que
então se passou não acaba aqui, é mais longa, mas pareceu-nos judicioso pô-la em
paralelo com a descrição que faz Santa Teresa de Ávila a quem o Senhor
gratificou com a mesma graça:
Escreve a Beata Alexandrina
Ao meu
lado direito estava a Mãezinha, à frente, Jesus, e, à esquerda, o
Anjo com uma lança na mão. Por cima de nós e em nós desceu o Céu com
todo o seu azul, guarnecido de Anjos; muito no cimo, um grande trono
da Santíssima Trindade. Tudo era luz, gozo, doçura e amor. A vida do
Céu! A vida das almas! Vivia-se ali, mergulhada naquele amor de
gozo, parecido com uma nuvem ou fumo branco, que por si se sustenta
e conserva no ar; era um nadar de doçura. A um sinal de Jesus, o
Anjo levantou a lança, cravou-ma no coração; trespassou-mo, dum lado
ao outro; não senti dor. No mesmo momento que ele retirou a lança,
vieram do coração de Jesus para o meu muitos raios de amor mais
belos que ouro, mais brilhantes e encantadores do que os raios do
sol ao nascer. Trespassaram-me todo o coração esses raios, e
pareciam reflectir-se no mundo e nele se espalharem. É indizível o
gozo e o fogo que eu senti. |
Escreve Santa Teresa de Ávila
« Via
um anjo ao pé de mim, para o lado esquerdo, em forma corporal, se o
que não costumo ver senão por maravilha. Ainda que muitas vezes se
me representam anjos, é sem os ver, senão como na visão passada, que
disse antes. Nesta visão quis o Senhor que o visse assim: não era
grande mas pequeno, formoso em extremo, o rosto tão incendido, que
parecia dos anjos mais sublimes que parecem todos se abrasam. Devem
ser os que chamam Querubins, que os nomes não mos dizem, mas bem
vejo que no Céu há tanta diferença duns anjos a outros e destes
outros a outros, que não o saberia dizer. Via-lhe nas mãos um dardo
de oiro comprido e, no fim da ponta de ferro, me parecia que tinha
um pouco de fogo. Parecia-me meter-me este pelo coração algumas
vezes e que me chegava às entranhas. Ao tirá-lo, dir-se-ia que as
levava consigo, e me deixava toda abrasada em grande amor de Deus.
Era tão intensa a dor, que me fazia dar aqueles queixumes e tão
excessiva a suavidade que me causava esta grandíssima dor, que não
se pode desejar que se tire, nem a alma se contenta com menos de que
com Deus. Não é dor corporal mas espiritual, embora o corpo não
deixa de ter a sua parte, e até muita. É um requebro tão suave que
têm entre si a alma e Deus, que suplico à Sua bondade o dê a gostar
a quem pensar que minto ». (Livro da Vida, cap. 29-13) |
Em seguida, a
Alexandrina explica a materna intervenção de Nossa Senhora:
« Disse-me, do
lado, a Mãezinha
― Minha filha,
Minha filha, salva o mundo, salva os meus filhos, salva-os comigo, salva-os com
Jesus. Coragem, muita coragem, Eu serei contigo! Já reflectiste que faço do teu
quarto a Cova de Iria? Já reflectiste que, como em Fátima, aqui desço todos os
meses, não falando nas vezes que, como hoje, venho a convite do Meu Filho? É
para te dar conforto e encorajar. Recebe as minhas carícias ».
Depois da Mãe, eis
que vem o Filho que, para estimular a sua querida esposa de Balasar, lhe
apresenta a sua Cruz, não como um objecto de ignomínia, mas como um símbolo de
amor.
« Apresentou-me
Jesus uma cruz, pôs-me sobre ela; por trás Dele estava outra, era a de Jesus.
― Minha filha, a
alma, que sofre por amor, goza na cruz. Aqui a tens; é tua no Céu, é tua na
terra. Em tudo te assemelhas a Mim. A Minha acompanhou-me do nascimento ao
Calvário, e aqui a tenho resplandecente no Céu. Recebe a gota do Meu divino
Sangue. Recebe a vida, leva a vida, dá-a às almas. Não contes, filha querida,
acudir-lhes aos corpos; o mundo não se regenera, não há emenda de vida, tem de
ser punido, tem de cair sobre ele a justiça de Meu Pai. Mas prometo-te que a tua
nobre missão será desempenhada com todo o brilho na terra e no Céu. Confia,
confia; as almas por ti são salvas ».
Jesus propõe à
Alexandrina de receber “a gota do Seu divino Sangue”. Efectivamente, desde há já
largos meses, ela recebe, todas as sextas-feiras uma “transfusão” de Sangue
divino, não só para alimento da sua alma, mas também para alimento do corpo,
visto que desde há vários anos, de nada mais se alimenta senão da Eucaristia.
Esta operação divina é única na história da mística.
« Recebi de
Jesus o Seu Sangue Divino ― explica ela ―, que
caiu do Seu Coração para o meu ».
Mas ela ainda tem
mais que explicar:
« Deixei de ver
os Anjos, a Mãezinha, o Céu; ficou só Jesus. Disse-Lhe ainda com o coração a
arder:
― Ó meu Jesus,
eu não temo a cruz, temo a minha miséria. Com a Vossa graça divina suportarei
todo o peso que me esmaga. O que eu não sei, meu Jesus, é como me hei-de tornar
digna de Vós. Eu, Jesus, eu, meu amor, eu, a mais pobre e indigna das Vossas
filhas temo e tremo ».
Alexandrina amava a
Cruz porque nesta ela via Jesus, o seu tão Amado Jesus que por ela dera sua
vida, mas não só por ela, como por nós todos. Este amor sem falhas, era nela um
amor corajoso, um amor que não recua, que é capaz de tudo, até mesmo de
heroísmo. É este amor invencível que leva a Bem-aventurada a exclamar: ― « Ó
meu Jesus, eu não temo a cruz, temo a minha miséria ».
E é também porque
ela teme a sua própria miséria que ela diz ainda: ― « Eu, Jesus, eu, meu
amor, eu, a mais pobre e indigna das Vossas filhas temo e tremo ».
Esta humildade
necessita de ser assegurada, de ser guiada, eis porque o Senhor vem ao socorro
da sua amada:
― « Coragem,
esposa amada! És pequenina para seres grande; sentes-te horrorosa para seres
Formosíssima. Essa podridão é do mundo, não é tua. Coopera Comigo, Eu
tornar-te-ei digna de Mim, farei que tenhas toda a graça e pureza, que de ti
exijo. Vai contente e alegre, vai para a cruz ».
Cooperar com Jesus
na redenção dos seus irmão extraviados, foi sempre o voto fervoroso e corajoso
da Alexandrina. Animada por saber que esta “podridão é do mundo, não é dela”,
ela agradece e toma mesmo iniciativas ousadas: vencer o Coração de Jesus, para
que Jesus possa vencer à Coração do Seu Eterno Pai e evitar assim que a divina
Justiça caia sobre o mundo e sobre os pecadores que não arrepiam caminho.
― « Obrigada,
meu bom Jesus; dizei por mim um outro obrigada à querida Mãezinha. Eu vou para a
cruz, só por Vosso amor e por amor às almas. Mas vou ainda confiada que hei-de
vencer o Vosso Divino Coração e Vós vencereis o Vosso Eterno Pai, para que o
mundo seja poupado à Sua justiça Divina. Ai, meu Deus, o tempo passa, foge e eu
sem virtudes, sem amor. Que pobreza a minha! »
Santa Teresa de
Ávila, depois de ter descrito o facto que acima transcrevemos, diz no mesmo
Livro da sua Vida e no mesmo capítulo 29:
« Muitas vezes
tenho pensado, espantada, na grande bondade de Deus e a minha alma tem-se
regalado de ver a Sua grande magnificência e misericórdia. Seja bendito por
tudo! Tenho visto claramente Ele não deixar sem paga, até mesmo nesta vida,
nenhum desejo bom ».
A semelhança é
ainda aqui evidente. Eis o que diz a Alexandrina ao terminar o seu diário de 13
de Junho de 1947:
« Quando recordo
o tempo, que passei neste colóquio, sinto-me mais forte. Oh, como Jesus é bom! »
Quando a fonte é
idêntica, mesmo se a água corre por orifícios diferentes, é sempre a mesma água
que corre, a mesma água cristalina.
Em muitos outros
êxtases da Bem-aventurada Alexandrina, podem encontrar-se estas semelhanças
extraordinárias.
Será de admirar?
Não, porque, como dissemos acima, a Fonte é a mesma. Não disse Jesus à
Alexandrina: “Tu és doutora em ciências divinas”?
A única diferença
que aqui podemos assinalar é que Santa Teresa de Ávila foi nomeada Doutor da
Igreja universal, o que não é o caso, por enquanto da Beata Alexandrina, mas que
poderá vir a sê-lo, se tal for a Vontade do Senhor.
Afonso Rocha
|