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Alexandrina Maria da Costa

SENTIMENTOS DA ALMA

FEVEREIRO 1954

12 de Fevereiro de 1954 – Sexta-feira

Nada disse na sexta-feira, dia 29 de Janeiro, nada disse na sexta-feira seguinte, dia 5 de Fevereiro, porque não pude. O que eu sofri, e em tantos dias! E para maior mal não soube fazer a entrega do meu sofrimento ao Senhor. Hoje também mal posso falar; é grande o sacrifício que vou fazer. Vou ver se digo as palavrinhas de Jesus, destas três sextas-feiras. Dos sentimentos da minha alma ainda não posso falar. Foi grande abalo que me causou tão grande crime. Todo o meu viver foi morte da terra e do Céu. Bendito seja o Senhor, tudo pelo seu amor.

No dia 29, Jesus veio e disse-me:

― “Coragem, minha filha, nos teus sofrimentos. Repara o meu Divino Coração. Olha, este martírio doloroso que te peço é por uns sacerdotes tão entregues a si mesmos, tão entregues à sua carne, prestes a caírem no inferno. Tu conhece-los, sabes quem eles são.”

Jesus estava em tanta dor, coroado com uma coroa de tão agudos espinhos, escorria tanto sangue! E eu disse-Lhe:

― Ó Jesus, eu não quero conhecê-los e não quero saber quem eles são. Não quero que eles vão para o inferno, sejam eles quem for, são filhos Vossos. O que eu quero é ver e saber que Vós não sofreis.

Desapareceu a visão, fiquei numa agonia de alma, naquelas tremendas dúvidas se sim ou não era Jesus. Fiquei a viver da fé e a repetir muitas vezes: creio, Jesus, creio!

Ele apareceu-me novamente sem espinhos e sem sangue.

― “Se soubesses, minha ilha, a consolação e a reparação que Me deste, ao falar-me assim dessa forma! Coragem, coragem, que o Céu está contigo. Recebe a gota do meu Divino sangue. Vive de mim e para mim.”

Dito isto, desapareceu. Fiquei mais confortadinha, mas em tanta dor como se Jesus não viesse.

No dia 5, veio. Eu estava muito desfalecida, muito me tinha debatido com a dor. Apareceu-me Jesus com o rosto do Ecce Homo, rosto de tremenda agonia.

― “Ó minha filha, ó minha filha, coragem, anima-te, está contigo o Senhor do Céu e da terra, o Jesus que é a tua vida.”

― Quereis que me anime, Jesus, ao ver-Vos sofrer assim? Não posso, não posso animar-me. Para que tenho eu sofrido tanto? Ele ficou logo no Seu rosto natural e com o sorriso nos Seus lábios divinos e acariciando-me disse-me:

― “Tens sofrido para que Eu assim não sofra, minha louquinha. O mundo não escuta a minha voz; os pecadores não deixam de me ofenderem. São eles a causa do teu sofrimento, para me dares a Mim e a meu Eterno Pai a reparação necessária. Recebe a gota do meu Divino Sangue, gota fortíssima, porque fortíssima foi a dor que te consumiu. Recebe as minhas carícias e as da minha Bendita Mãe. Sou o portador delas para o dia de amanhã, primeiro sábado. Ela quer encher-te, Eu quero encher-te, neste ano mariano, que Eu quisera que ele fosse tão teu e devia ser tão teu e daquele que eu pus no teu caminho para teu guia e tanto trabalhou para a glorificação de minha Bendita Mãe, para que o mundo Lhe fosse consagrado.

Ao Santo Padre lhe foi dada a luz, e ele aceitou a luz. Bem depressa lhe será dada a recompensa.

Eu quero que, neste ano, a teu respeito toda a luz seja dada. Depressa, depressa, cada coisa no seu lugar. Recebe novo amor, novas carícias.”

― Obrigada, Jesus, dizei por mim o meu eterno obrigada à Mãezinha.

Tudo passou como se nada houvesse; o martírio continuou. Hoje, estava, para assim dizer, completamente morta. Só perto das três horas principiei a sentir o trabalho da pombinha, e o meu coração e a minha alma romperam num brado incessante ao Céu:

― Ó Jesus, ó Mãezinha, valei-me.

Jesus falou-me assim:

― “Quem há na terra, minha filha, que de alma e coração invoquem o meu nome e o da minha Bendita Mãe, e sejam por Nós abandonados? Eu estou aqui para te valer, para te fortalecer. Confia, confia. Inclina-te, descansa aqui.”

Jesus, sentado, fez que a minha cabeça se inclinasse sobre os Seus joelhos e a Sua bendita mão acariciava-me docemente. Quase que ia adormecer ali. De repente, ouvi os suspiros de Jesus e num impulso de amor levantei-me. Ó meu Deus, como Lhe rolavam lágrimas pelas faces. Inclinei a minha cabeça contra a d’Ele e chorei também. Mas tentei enxugá-las.

― Ó Jesus, ainda não Vos disse que não sofria, quero sofrer, quero sofrer, não choreis.

Desapareceu-me, deixei de O ver, nem a chorar nem a rir. Eu cheia de agonia chamava por Ele.

― Onde estais, Jesus? Ai de mim, se me falta a fé. Creio, creio.

Então Jesus veio novamente e disse-me:

― “Nunca o Céu te falta. Confia, confia, vive neste abandono. Eu tomo para ti a tua vida, chupo todo o suco do meu cachimbo e distribuo-o como me apraz. Recebe a gota do meu Divino Sangue. Vives da mesma vida que Eu vivo. Comunica-a, faz dela viver as almas. Salva-me os pecadores. O mundo é teu, acode-lhe, acode-lhe.”

― Lembro-Vos o mundo, Jesus, lembro-Vos todas as intenções. Fazei milagres para honra e glória Vossa e bem das almas.

Fiquei sem Jesus, mas fiquei na minha agonia, no meu tormento, a viver da fé.

19 de Fevereiro de 1954 – Sexta-feira

Não sei como dizer algumas palavras, mostrando um nadinha o muito que me vai na alma. Não sei como obedecer.

― Meu Deus, meu Deus, quanto se sofre! Seja tudo por Vosso amor! Ó dor, ó dor, tu só és doce, levada por amor de Jesus. Mas custas tanto! Há tão pouco quem te compreenda e se compadeça dos que sofrem! Sede louvado e bendito em todas as coisas; seja feita, Senhor, a tua vontade. É tal o sofrimento que tenho no corpo e na alma que me faz sentir imensa necessidade de pedir a Jesus para me levar para o Céu. Só com a força de um Deus se pode sofrer assim. Não posso pensar na perda de Jesus e da Mãezinha; a minha alma não suporta tal dor. Não me aproveitaria eu das graças que pelo Céu me foram dadas?

Meu Deus, meu Deus, compadecei-Vos de mim, compadecei-Vos desta pobre alma nas maiores trevas, no maior abandono e sem um guia! Ai, Jesus, ai, Jesus, ai, Mãezinha! Junto ao meu sepulcro, mas na maior profundidade, que nunca olhares humanos podem penetrar, estou eu nos meus suores, na minha cavação incessante. Não sei o que faço nem sei onde vou parar. Ai de mim, para onde vou! Que pavor! Na superfície da terra estou como sozinha no mundo; é um mundo sem luz, um mundo sem fôlego vivo.

Sinto uma velhice, como não houve nem haverá jamais. Esta velhice é no corpo e na alma. É uma velhice; quase junto a cabeça aos pés e varro a terra com o rosto. Foi o corpo que envelheceu a alma e a afeiou.

Só deixei o mundo, quando ele me deixou, quando me escarneceu e no rosto escarrou, quando com vozearias e maus-tratos tentava tirar-me a vida. Tudo passou, só eu fiquei nessa velhice morta e apodrecida. Quase nada tenho rezado com os meus sofrimentos, com tão doloroso martírio. Fiquei quase por completo esquecida das coisas do Céu. Tenho dito a Jesus e à Mãezinha que isto não representa a diminuição do meu amor, mas sim do meu muito sofrer. Faço repetidos actos de fé: creio, Jesus, eu creio. Perder a Jesus, perder a Mãezinha, foi perder o Horto, perder o Calvário, foi perder tudo. Caminho por aqui e além, fito um e outro lugar sem proveito algum e a ninguém encontrar.

Foi neste estado de alma que se aproximaram as três horas de hoje. De repente, fiquei num mar imenso de naufrágio; a todo o custo lutei com as ondas, entrando sempre pelo mar imenso a apanhar e a trazer comigo os náufragos. Precisava de conforto, estava perdida, desfalecida de tanto lutar. Veio Jesus e disse-me no meio do naufrágio:

― “Minha filha, minha filha, mar de dor, mar de sangue, mas mar de salvação das almas sem número, aos milhões, aos milhões, aos milhões. Muita dor exijo de ti, porque muita reparação exigem os crimes da humanidade. Como o mundo peca, como o mundo peca! E há tão pouco quem sofre e repare!”

Dito isto, Jesus desapareceu e eu fiquei no mesmo mar e em trevas apavoradoras.

― Sois Vós, Jesus, sois Vós ou estou enganada? Onde é que estais? Valei-me, valei-me.

Ele não se apressou, deixou que a luta e as trevas continuassem, até que depois veio e disse-me:

― “Colóquio de fé, colóquio de fé, minha filha, colóquio de amor. Muito sofres, porque muito amas e és amada. Eu tenho que fazer milagres, para que possas resistir à dor que te causam as ofensas feitas ao meu Divino coração.”

Fiquei no Seu regaço, entre os Seus braços, muito estreitada ao Seu Coração divino. Jesus acariciava-me e fitava-me com doçura e amor. Já se passaram umas poucas de horas e eu ainda sinto no coração aqueles olhares tão ternos e penetrantes. Com a máquina do Seu Coração parece que sulfatava o meu. Aquele fogo ateou-me no meu peito.

― “Qual queres, minha filha, ver-me a sofrer ou ver-me na alegria?”

― Ó Jesus, a dor para mim e a alegria e consolação para Vós.

Ele chegou a suspirar, mas eu bradei-Lhe:

― Sofrer não, sofrer não, meu Jesus.

― “Coragem, filha, e confiança: está perto, está perto o teu Céu. Recebe a gota do meu Divino sangue. É o Sangue de Cristo, é a mesma vida de Cristo a viver em ti. Comunica ao mundo, comunica às almas esta vida; deixa-as servir e aproveitar-se dela, conforme as suas ânsias de união comigo. Sofre pelo mundo, salva o mundo; sofre, sê vítima no mais alto grau pelos sacerdotes. Como eles pecam, como eles pecam em tão grande número!”

― Sou a Vossa vítima, Jesus. Lembrai-Vos de todas as minhas intenções. Creio que estivestes em mim, creio que viveis em mim.

26 de Fevereiro de 1954 – Sexta-feira

Continuo no meu estado grave e por não poder falar direi só umas palavras, como sinal da minha obediência. Meu Deus, meu Deus, que obediência tão custosa! Sinto a dor, vivo a dor; falar dela não sei, sou a maior ignorante. O que sofre o meu corpo e a minha alma nunca na terra o farei compreender. Eu só queria saber falar dela para honra e glória de Nosso Senhor e bem das almas. Na minha tremenda inutilidade, trevas densas, pavorosas, eu vejo os meus caminhos andados, mas todos selados de sangue; corre por eles como regatozinhos. É este sangue que brilha, é este sangue que me mostra a terra que trilhei, os espinhos que calquei. Dor e sangue foi e é a minha vida, mas a inutilidade nada me deixou para o meu Jesus nem para as almas a quem tanto amo, por amor d’Ele.

Sou pobríssima, sou nada. Sofri tanto, tanto como que saiu no jornal A Voz do Pastor! Tormento nunca dito, só sofrido se saberá compreender.

― Ai, meu Deus, se eu sofresse sozinha, se não sofressem os que estão à minha volta! Quanto Vos devo, meu Jesus. Não me faltastes com o Vosso amparo. Sofri sem um momento de revolta, com os olhos em Vós, sem má vontade contra ninguém. Obrigada, Jesus, obrigada, Jesus. O que eu não queria é que fôsseis Vós ofendido e que não houvesse tanto escândalo. Sou velhinha, mais velhinha que a terra, à terra me uni; o meu rosto nela poisou, tal foi o peso que a isso me obrigou.

O coração sente e vê o meu túmulo, não sai do pé dele, enquanto todo o outro ser em suor banhado segue a sua canseira num abismo tal sob o peso de milhões e milhões de mundos. Quando está nesta profundidade, parece que não pode voltar à superfície da terra. Com a perda de Jesus e da Mãezinha, do Calvário e do Horto, perdi tudo para jamais voltar a possuir.

Que dor, que dor infinita! A passagem pelo horto e pela montanha é como que por terra estranha, terra morta, sem luz, sem amor. Parece que, ainda que quisesse recordar o que tudo isto foi, não podia. Sem mal poder mover os lábios, falando mais com o coração, chamei por Jesus e pela Mãezinha: necessitava do Seu conforto.

Eram já três horas e alguns minutos sem que Ele viesse. Num dado momento, surgiu-me de repente. Com um foco de luz iluminou-me, tomou-me toda inteiramente e meteu-me no seu Divino coração.

― “Vem, minha filha, descansar na morada do meu Divino coração; aqui estás e dele vives. Vive do sacrário, vive da cruz, nela bem cingida, nela bem crucificada. Comunica a vida do Calvário, a vida do sacrário e a deste Coração Divino. Vives para os teus Amores, falas dos teus Amores. Coragem, recebe aqui conforto, recebe aqui fortaleza para tantas forças que a dor consome.”

Não sei o tempo que estive dentro desta doce morada. De repente, fiquei sozinha; fugiu-me a luz e o lugar de repouso. Cega, sem nada ver, caí à borda da estrada. Levantar-me não podia, os meus gemidos não se ouviam e em tal escuridão não podia ser encontrada. Perdi tudo: não tenho Jesus nem a Mãezinha, estou sem guia. Parecia ali uma eternidade, a minha eternidade, aquela eternidade que eu vivo há tanto tempo, sempre em princípio, sem um momento caminhar. O meu brado continuou, assim como o meu esforço para levantar-me. Não fui capaz. Jesus veio, foi Ele quem me levantou e sem que eu visse que era Ele; tinha que acreditar pela fé. Tomou-me pela mão e, caminhando comigo, como se eu fora ceguinha e nenhum caminho conhecesse, foi-me falando assim:

― “Sou o teu guia, sou o teu Jesus. Colóquio de fé, vive da fé, colóquio de dor, vive na dor. Coragem, minha filha! O mundo corre sempre para o abismo da perdição. Se assim não sofresses, já toda a terra ter-se-ia aberto num só vulcão de fogo. Quantas almas, quantas almas teriam caído no inferno nas horas destinadas a lá as receber. Quantos sacerdotes lá estavam precipitados. Quantos, quantos! Para a reparação dos sacerdotes, outros a prepararem-te a imolação! Acode ao mundo, lembra-te que ele é teu!”

Nova ausência de Jesus, até que voltou a vir, uniu os nossos corações e disse-me:

― “Recebe a gota do meu divino Sangue. Vives só a minha vida; comunica ao mundo a mesma vida. Salva-o e não te esqueças que to entreguei, que ele é teu.”

Pus-me a fazer-Lhe os meus pedidos e não cheguei a dizer-Lhe o meu obrigada sem que Ele tivesse desaparecido. Creio, creio!

   

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