“Bem-aventurados
os humildes e perseguidos pelo amor de Jesus. Esses é que são os eleitos do
Senhor e os santos do seu divino Coração. Está quase finda a missão da
crucificada de Jesus na terra. Jesus vai dar-lhe a morte mais encantadora, mais
cheia de amor. Vem Jesus, vem Maria, vem José, toda a Trindade divina. Vêm os
Anjos, vêm os Santos conduzirem ao Paraíso aquela que tanto amou Jesus na terra.
Desce o Céu ao quartinho da heroína de Jesus. Que glória para Portugal, para o
mundo inteiro! Que alegria e triunfo para o Paraíso. Diz, diz, minha filha,, ao
teu Paizinho Eu que o amo, que é o filho predilecto da minha Companhia. Quanto
mais o fazem sofrer, mais o meu divino amor se irradia nele. Jesus vai conduzir
ao seu divino Coração a ovelha perdida; Jesus não demora. O Céu é dele, a coroa
está tecida. É de espinhos, abrilhantada com as pedras mais preciosas. Diz, diz,
minha filha, ao Sr. Doutor que o prémio que no Céu lhe está preparado é o maior
que se pode dar à medicina. O Coração de Jesus está radiante com ele por todo o
cuidado e espero que tem tido com a crucificada de Jesus. Ele sentirá na terra a
contínua protecção da salvadora da humanidade. Diz, diz, minha filha, à tua
irmãzinha, à tua Çãozinha, que estão ao abrigo de Jesus, guardadas para sempre
no seu divino Coração. Jesus será o prémio, a recompensa de todos os que sofrem
com a sua benjamina. Jesus é tudo para as almas que a amam e que por ela são
amadas”.
Obrigada, obrigada,
meu Jesus. Recompensai a todos por mim, pagai-lhes com o vosso divino Amor e
permiti que eu lá do Céu a todos conforte e a todos assista em suas
necessidades. Ó meu Jesus, conheço que sois vós; não posso separar-me da vossa
divina presença. Quizera ir já convosco para o Céu.
― “Mais um
pouquinho e o dia chegará”.
Obrigada, meu
Jesus.
Meu Deus! Meu Deus!
O brado agonizante da minha alma perde-se na montanha e não é ouvido na terra,
nem no Céu; digo isto repetidas vezes com o pensamento, enquanto vou sentindo as
aves devorarem-me as coxas e a agonia na alma que se não pode explicar e aumenta
ao saber de tantas mentiras que de mim dizem e ao sentir que ainda depois da
minha morte tudo isto continuarás, sendo motivo de grande sofrimento para os
meus. Eraa meu desejo que todas as mentiras morressem comigo.
De 4 para 5 de
Maio; durante a noite, veio repetidas vezes a Mãezinha, muito bela,
apresentar-se à minha frente junto da minha cabeceira, suavizando a minha dor.
Na mesma noite, o
Anjinho da Guarda com as suas asinhas inclina-se sobre mim fazendo por aliviar o
meu corpo.
Ó trevas, ó trevas,
ó negras e assustadoras trevas! Ó Céu, ó Céu, dá-me a tua luz! Recebi tamanhos
golpes no meu coração e sinto que ficou tão aberto e tão retalhado que me parece
não ter forma de coração humano; contudo é um fontenário de sangue que brota com
toda a abundância. É a vida divina que o faz brotar e sinto toda a Humanidade a
beber dele com toda a força, com receio que ele se esgote. O meu estado de alma
agravou-se assim depois de saber o muito que fazem sofrer o meu Paizinho,
contudo não perco a minha confiança de que Jesus há-de justificar a sua
inocência.
Agora sinto que as
aves nocturnas já vão a chegar aos joelhos. Todo o corpo está quase en cinza. E
não vira Nosso Senhor buscar-me?
Com a aflição da
minha alma eu dizia assim: Que tristes e amarguríssimas são as últimos dias da
minha vida. Tirai, meu Jesus, da minha amargura toda a doçura e alegria para vós
e proveito para as almas.
Já não podendo mais
com o peso das humilhações, com a agonia e negras trevas que sentia na minha
alma, porque tudo me abafava a confiança que tenho em Jesus, eu dizia: Se
aqueles que me tiraram o meu Paizinho experimentassem o que era sofrer, davam-mo
para meu conforto. E segredava para Jesus: Juro)vos que confio em vós!
Recordando que já não tinha crucifixão, senti tão grande dor no meu coração que
me parecia chorar lágrimas de sangue e lembrava-me que se eu fosse de novo
crucificada era bastante para aliviar o sofrimento da minha alma! Que saudades,
que saudades, meu Jesus, não ter agora a crucifixão!
Agora as aves andam
abaixo dos joelhos e sinto o coração a perder a vida divina. Vou caindo
lentamente. Tudo desaparece em mim.
Também sinto que a
humanidade já não bebe com aquela força que bebia, porque o sangue se vai
acabando.
O mafarrico tem-me
consumido a imaginação, pretendendo prender-me às coisas da terra; mas quanto
mais ele tenta fazê-lo, mais Nosso S enhor me eleva para Ele.
Hoje a vida divina
do meu coração comparo-a a uma lâmpada amortecida que a cada momento parece
apagar-se. Já não nasce o sangue senão de longe a longe uma gota, que já mal se
pode beber. Eu hoje dizia a Nosso Senhor assim: Meu Jesus, Mãezinha, vede a
aridez da minha alma, vede o abandono que ela sente do Céu e da terra. Lançai
sobre mim vossos divinos olhares de compaixão. Acudi-me, acudi-me, não me
deixeis morrer de susto no meio das trevas. A minha alma está tímida com os
assaltos do demónio. Quer acusar-me e lançar-me ao rosto tudo o que há de pior,
apresentando-me a minha vida inteira cheia de enganos. Jesus não me deixa por
muito tempo combater as dúvidas, mas ele enraivecido enche-me de pavor. Se eu
pudesse ter um sacerdote sempre junto de mim! É o meu Paizinho quem eu quero,
pois foi esse que Jesus me prometeu e que os homens me tiraram.
As aves sinto-as já
nos pés, mas como que aborrecidas por não encontrarem que comer. Vão mexendo e
remexendo as poucas cinzas que me restam. Ai, o dia mais feliz da minha vida é o
dia da minha morte!
Eu quisera dizer
quanto a minha alma tem sofrido, mas apenas tenho experimentado, e não sei
explicar. Horrorosos sofrimentos passaram por mim! Nunca pensei poder sofrer
tanto. Hoje sinto-me mais aliviada um bocadinho, mais redobrada a minha
confiança em Jesus e na Mãezinha, com mais forças para combater o inferno que se
tem revoltado contra mim.
O meu coração
continua como a lâmpada amortecida. De longe a longe vai deitando uma gotazinhas
de sangue que a Humanidade ainda vem aproveitá-las. Cada uma delas parece ser a
última. Sinto que ele ainda está preso à vida divina por um fiozinho comparado a
um arame fininho que à mais pequenina cloisa pode partir.
No meu corpo já não
sinto as aves; parece-me já não existir dele nem sequer o mais pequenino bocado
de cinza.
Sinto que quem me
sustenta a vida do meu coração é Jesus, só Jesus, parecendo-me estar ligada à
Pátria celeste por aquele fiozinho.
Viva Jesus! Viva
Maria! Viva a Santíssima Trindade a quem amo tanto!
Jesus suspendeu-me
a crucifixão: parece-me que me suspendeu a vida. Só Ele pode avaliar a minha
tristeza e saudade. Não tenho o sofrimento da cruz; já não me sinto nela,
escondeu-se-me por completo, mas tenho maior cruz ainda, são maiores os meus
sofrimentos. Não posso viver no mundo. O tempo não passa, as horas parecem-me
séculos, os dias e as noites eternidades. Quantas vezes levanto os meus olhos ao
Céu para exclamar: Jesus, ó meu querido e saudoso Jesus! Mãezinha, ó minha
querida e saudosa Mãezinha! Santíssima Trindade, ó minha querida e saudosa
Trindade, para quem só quero viver, a quem me entrego, a quem só quero amar.
Pobre de mim! Digo que amo e não tenho coração para amar, não tenho corpo senão
para a dor, sou como uma bola de espuma que depressa se desfaz. Que trevas, meu
Jesus, que securas, que amarguras, que agonias as da minha alma.
O fiozinho da vida
divina que estava ligado ao meu coração, apesar de sentir que o não tenho, ainda
está ligado ao lugar onde ele habitava. Sinto que ele está a cada momento a
querer quebrar. A fúria da horrenda tempestade dá-lhe todos os abalos. Do
pequenino lugar que ocupava o meu pobre coração sai, de longe a muito longe,
umas escassas gotas de sangue. Agora é que eu sinto quanto a pobre Humanidade
necessita dele; toda ela sequiosamente o que sugar. Ó meu Jesus, não abandoneis
a pobrezinha que sempre em vós confiou e confia. Apesar de tudo sentir perdido
por entre as trevas, é de vós que tudo espero.
O demónio quebrou
todas as cadeias que o prendiam, caiu sobre mim. Luto sozinha, combato a sua
raiva. Ó minha querida Mãezinha, tiram-me o meu Paizinho nestes tristes dias em
que eu mais precisava dele.
Sinto)me abandonada
de todos a não sr quando mo dais milagrosamente para conforto da minha alma; o q
ue tão raras vezes acontece. Perdoai a todos os que me ferem, perdoai tanta
cegueira; eles de mim estão perdoados. No lugar do meu coração já não cabem mais
espadas; tenho sofrido por todos os lados, tenho recebido sofrimentos de quem
menos esperava. Ó meu Jesus, para todos o vosso perdão, o vosso amor e a vossa
compaixão. Purificai, santificai, abrasai no vosso divino amor e levai para
junto de vós sem demora a vossa filhinha agonizante.
Desde o dia 24 de
Maio, dia do divino Espírito Santo, em que eu pedia toda a luz e todo o fogo do
seu divino Amor, do seu Amor santificador, o estado da minha alma modificou-se,
mas nesse dia de tarde eu ainda dizia: Eu já não tenho vida da terra, só tenho
corpo para a dor. A partir deste dia, deixei de sentir o que até ali sentia
quase continuamente, que eram nojentas serpentes cheias de toda a imundice, que
entravam pela boca e saíam arrancadas não sei por quem, fazendo lembrar os
condenados do inferno atormentados pelos demónios. Não podia ouvir o chilrear
dos passarinhos ao alvorecer e ao anoitecer do dia, apesar de me lembrar que
estavam a louvar o seu Criador. Os seus gorjeios feriam muito a minha alma. Nada
podia ouvir de alegria. A minha sede era abrasadora, as saudades de me alimentar
não as sei exprimir e tudo isto me parecia levar ao desespero por sentir que era
impossível saciar os meus desejos. Logo dizia ao meu Jesus: É por vós que sofro,
e saciai vós a vossa sede de amor, a sede que tendes das almas.
No dia 25 notaram
diferença em mim, eu não tinha outra a não ser a transformação da minha alma.
Deixei de sentir as grandes amarguras, trevas, securas e agonias a não ser de
longe a longe e passageiras, para sentir grandes desejos de voar para o Céu,
chegando a sentir impulsos que me faziam levantar, figurando-se-me que tinha
asas e formava voo para o Céu. Tendo inteira confiança em Jesus e na Mãezinha e
sempre conforme com a sua vontade. No meio de tudo isto a minha alma sente-se em
festa, que por vezes chego a cantar com júbilo e alegria:
“Ver a Deus, ver
sempre,
sempre Deus: eis o Céu!
Quem me dera lá ir, etc.”
Parece-me ir para a
Pátria celeste, para o meu Jesus, de pé, de braços abertos, a descansar em seu
divino regaço.
Já que não posso saciar-me dos
desejos e saudades que tenho dos manjares da terra, suspiro, morro e anseio por
ior saciar-me dos manjares celeste e só esses valem para a eternidade. O fio
divino que liga ao lugar onde habitava o meu coração está quase a quebrar,
parece-me que foi limado. O que lhe tem valido é a tempestade só de longe a
longe lhe dar uns pequeninos abalos. Agora sim, agora posso dizer: O Céu está
perto, vou ver o meu Jesus, vou ver a minha querida Mãezinha, vou gozar do
Paraíso, vou amar os meus Amores eternamente. Deixo o mundo sem saudade, não lhe
pertenço, não sou dele.
A cair da tarde,
sentia o fiozinho divino a quebrar de todo. Naquele meu estado de alma estava a
ver o que Jesus inventaria para mim da sua Ciência divina, a não ser que tudo
acabasse com a minha morte. Na segunda-feira seguinte, dia 1 de Junho, de
manhãzinha, senti que tinha falhado por completo o fiozinho que para o lugar do
meu coração se prendia, mas a ciência de Jesus ainda tinha mais que dar; pouco
tempo depois vi e senti descer do Céu à terra para o lugar do meu coração raios
de luz mais brilhante que o sol, pareciam vindos do Coração do meu Jesus,
ligando-se e reflectindo-se para sempre no lugar do meu coração. Tinha que me
embeber toda naqueles raios de amor, o que dia a dia me vão embebendo cada vez
mais, deixando-me transformada neles. Esses raios vão-me levantando da terra
para o Céu. São um canal no qual eu me tenho de transformar e por dentro dele
passar. É por ele que eu vou para Jesus.
Já me sinto elevada
a uma certa altura da terra. Momentos há em que não posso resistir a tantas
saudades do Céu. Espero ver o meu Jesus dentro em pouco com a minha querida
Mãezinha e todos os meus amores por quem aspiro; porém quero que se cumpram
todas as promessas de Jesus, quero que me dêem o meu Paizinho que sem eu dar
motivos para isso e em momentos tão amargos mo retiraram. Parece que só isso e a
determinação da consagração do mundo pelo Santo Padre me obrigam a ainda viver
na terra, triste exílio que não posso suportar.
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