o santo porteiro jesuíta
Esse
predilecto da Santíssima Virgem, cuja festa comemoramos neste mês, tornou-se
grande santo e místico na humilde função de irmão leigo
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Afonso
Rodríguez nasceu a 25 de julho de 1531, numa família de sete filhos e quatro
filhas, sendo o segundo
da numerosa prole. Como não era raro na época, seus
pais, bastante virtuosos, criaram os filhos no amor e no temor de Deus e na
devoção Àquela que é a Medianeira de todas as graças, Nossa Senhora.
Desde pequeno
Afonso aprendeu a invocá-La e, em sua inocência, confiava-Lhe todos seus desejos
e apreensões. Certo dia ― estaria ele já entrando na adolescência ― num
transporte de amor, disse à soberana Senhora: “Ó Senhora, se Vós soubésseis
quanto Vos amo! Eu Vos amo tanto, que Vós não podeis amar-me mais do que eu a
Vós”. Ao que, aparecendo-lhe, disse-lhe a Rainha dos Céus: “Você se engana, meu
filho, porque eu o amo muito mais do que você pode me amar”.
Primeiros contactos com a
Companhia de Jesus
Dois religiosos
jesuítas, indo pregar missão em Segóvia, hospedaram-se em sua casa. Afonso e seu
irmão foram designados para atendê-los, e receberam, em troca do esmero com que
o fizeram, bons conselhos e orientação religiosa. Foi o primeiro contacto que o
futuro santo manteve com os jesuítas.
Com eles
começariam, Afonso e seu irmão, seus estudos no colégio da Companhia em Alcalá.
Dir-se-ia que o futuro de Afonso estava traçado: tornar-se-ia um sacerdote da
Companhia de Jesus e brilharia por sua eloquência e santidade. Nada disso. Os
caminhos da Providência eram outros. Afonso teve que interromper os estudos, com
a morte do pai, pois, como seu irmão estava mais adiantado neles, era preferível
que se formasse. Assim, Afonso tomou um rumo oposto: tornou-se o encarregado da
loja de tecidos do falecido progenitor, e casou-se. Nasceram-lhe os dois
primeiros filhos, um casal. Estava ele assim encaminhado para uma vida virtuosa
dentro dos laços conjugais e como honesto comerciante.
Modelar marido e pai, péssimo
comerciante
Mas se Afonso era
muito bom marido e pai, revelou-se comerciante incompetente. Pois tinha tanto
escrúpulo de obter algum lucro ilicitamente, que pouco ganhava em suas
transações comerciais. A esposa alertou-o que, desse modo, iriam eles acabar na
miséria. Mas de nada adiantou. E os negócios iam de mal a pior para a família.
Chegou então a
hora da Providência: a esposa bem-amada faleceu ao dar à luz a um menino. Pouco
tempo depois, faleceu a filhinha, e não muito depois um dos meninos. Esses
cruéis sofrimentos fizeram-lhe compreender que não há nada de duradouro nesta
vida, e que tudo passa como o vento. Agora ficava ele só com o filhinho que
custara a vida à mãe, e concentrou nele todo seu afecto.
Levando uma vida
extremamente penitente, mais própria a religiosos que a comerciantes, Afonso
continuou com sua loja, sendo visitado continuamente por visões e êxtases. Um
dia em que ele chorava seus pecados, Nosso Senhor apareceu-lhe acompanhado de um
brilhante cortejo de 12 santos, dos quais ele reconheceu apenas São Francisco de
Assis. Este lhe perguntou por que chorava. “Ó querido santo — respondeu-lhe
Afonso — se um só pecado venial merece ser chorado durante toda uma vida, como
vós quereis que eu não chore, sendo tão culpado?”. A humilde resposta agradou a
Nosso Senhor, que o olhou com muita complacência e desapareceu.
O amor de Afonso
pelo filhinho era extremo, mas todo sobrenatural. De modo que ele, um dia,
contemplando a inocência do menino de três anos, e pensando no horror que
representa o pecado mortal, implorou a Deus que, se mais tarde aquela criatura
fosse ofendê-Lo de maneira grave, que Ele a levasse em sua inocência baptismal.
Deus não se fez de rogado, e Afonso dolorosamente teve que amortalhar seu último
filho, mas na alegria de sabê-lo salvo no Céu.
Irmão leigo na Companhia de Jesus
Aos 32 anos de
idade, estava livre para tornar-se religioso na Companhia de Jesus. Mas não foi
o que ocorreu, pois os caminhos da Providência são, muitas vezes, diferentes de
nossos planos. Afonso vendeu todos os seus bens e dirigiu-se a Valença, pedindo
admissão na Companhia de Jesus. O reitor, entretanto, aconselhou-o a aprender
antes a língua latina, para poder seguir o sacerdócio. Ele entrou então como
preceptor do filho da Duquesa de Terra-Nova. Decorreram outros seis anos até que
Afonso fosse admitido na Companhia. Nela, o santo seguiu rigorosamente o
programa de estudos para poder ordenar-se. Mas, já quase com 40 anos e com má
saúde, piorada pelo excesso de austeridades, não conseguia aprender o suficiente
para o sacerdócio. Ele o compreendeu, como logo também se deram conta disso seus
superiores. Assim, ele foi admitido na Companhia de Jesus como simples irmão
leigo.
Nessa humilde
condição, Afonso foi enviado ao colégio de Palma de Mallorca, para cuidar da
portaria. Soube levar ali uma vida de extraordinária riqueza espiritual. Durante
mais de 30 anos como porteiro, fazendo com espírito sobrenatural suas mais
simples acções, chegou a um alto grau de vida mística.
Logo de manhã,
quando o sino tocava o despertar, ajoelhava-se perto da cama, agradecia à
Santíssima Trindade por havê-lo preservado naquela noite de todo o mal e pecado,
e dizia estas palavras do Te Deum: “Dignai-vos, Senhor, guardar-me, neste dia,
sem pecado”. Renovava então o propósito de receber a todos, em seu ofício de
porteiro, como se fossem o próprio Nosso Senhor.
A cada hora do
dia ele recitava uma jaculatória especial, celebrando uma das invocações de
Nossa Senhora; e à noite, antes de deitar-se, recomendava-Lhe todas as almas do
Purgatório, suplicando que aceitasse seu repouso como uma oração em sufrágio
delas.
Seu comércio com
o sobrenatural era contínuo, como ele mesmo revela em sua autobiografia, falando
na terceira pessoa: “Essa pessoa chegou a viver tão familiarmente com Jesus e
sua santa Mãe, que às vezes parecia-lhe caminhar entre ambos, e que os dois o
abraçavam, e ele Lhes dizia amorosamente: ‘Jesus, Maria, meus dulcíssimos
amores, morra eu e padeça por Vosso amor’”.
Perseguições do demónio e socorro
Se Afonso tinha
visões celestes, não era privado das infernais. O demónio aparecia-lhe sob as
mais horrendas formas, e o tentava de todos os modos possíveis, principalmente
contra a virtude da pureza. Para combatê-lo, o irmão leigo recorria à penitência
e à oração, e sobretudo à Rainha do Céu e da Terra. Duas vezes o espírito
infernal lançou-o do alto da escada que unia dois pavimentos, e nas duas vezes
foi ele amparado por Nossa Senhora.
Numa violenta
tentação de desespero, chamou Maria em seu socorro. Nossa Senhora apareceu-lhe
circundada de luz celeste, e os demónios fugiram espavoridos. “Meu filho
Afonso ― disse-lhe Ela ― onde estou, você não tem nada a temer”.
A um religioso
espanhol, que depois lhe escreveu a biografia, deu este conselho: “Quando
desejar obter qualquer coisa de Deus, recorra a Maria, e esteja seguro de tudo
obter”.
Obediência e apóstolo da devoção
mariana
Sua obediência
aos superiores era cega, e difícil de compreender em nossa época dominada pelo
orgulho. Certo dia ele assistia a uma conferência sentado perto da porta. Ao
entrar um superior, ofereceu-lhe o lugar. “Permaneça onde está”, disse-lhe ele.
Afonso ficou lá até bem depois de terminada a conferência, e só saiu quando
alguém o foi chamar. Para prová-lo outra vez, o superior mandou que embarcasse
para a Índia. Sem mais pensar, nem pegar roupas e provisões, partiu ele. O
superior mandou detê-lo, e perguntou-lhe: “Como iria à Índia?”. “Eu iria até o
porto e procuraria um navio; se não o encontrasse, entraria na água e iria o
mais longe possível; depois retornaria, contente de ter feito tudo para
obedecer”.
Em seu zelo
apostólico, o fervoroso irmão procurava difundir entre os alunos do colégio
grande devoção à Virgem, insistindo com que a Ela sempre recorressem e se
inscrevessem na Congregação Mariana. Evangelizava os pobres e vagabundos que
apareciam no colégio à procura de esmola, cativando-os por sua ardente caridade.
Diretor espiritual de São Pedro
Claver
Por volta de
1605, Afonso Rodríguez foi procurado por um jovem seminarista jesuíta catalão,
Pedro Claver, que lhe pediu com insistência que o simples irmão leigo fosse seu
director espiritual. Surgiu então entre os dois uma amizade sobrenatural que não
cessou com a morte, pois Afonso Rodríguez teve a visão da entrada de seu
discípulo na glória celeste. Foi por sua direcção que Pedro Claver partiu para a
América, onde dedicou todas suas forças, energias e imensa caridade ao
apostolado com os negros. Afonso Rodríguez acompanhava de longe o labor
apostólico de seu discípulo, oferecendo-lhe não só suas orações, mas o mérito de
suas penitências. Dedicou a ele um livreto que escreveu, com o título A
perfeição religiosa.
Santo Afonso
Rodríguez faleceu no dia 31 de outubro de 1617, aos 86 anos de idade.
Plinio Maria Solimeo
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